EM DEFESA DA
PRIVACIDADE
Maria
Lucia Victor Barbosa
23/08/2002
Julian Assange, fundador do site Wikileaks,
apareceu na sacada da Embaixada do Equador em Londres e proferiu um discurso
para a plateia de fãs, jornalistas e policiais que o aguardavam. Era a figura
de Narciso em pessoa. Somente dirigentes políticos muito poderosos se amam
tanto quanto o ególatra Assange.
Mas,
de onde vem tanta arrogância e vaidade que se estampam no rosto do australiano
de 41 anos, um janota enfatuado que parece ter como diversão predileta atacar
os Estados Unidos? Vem do fato de que ele se sente o grande hacker da
atualidade, o fofoqueiro global da típica imprensa “marrom” dos escândalos,
enfim, o cyber terrorista desse admirável mundo novo que pretende controlar
como um deus cibernético.
Em
Assange há muitas contradições. Ele fala em direitos humanos, em liberdade de
expressão, lança frases de efeito como a contida na acusação de que os Estados
Unidos realizam ‘”caça às bruxas”, ou seja, a ele, uma vitimazinha inocente que
arrombou e expôs documentos secretos ou correspondências íntimas de diplomatas
norte-americanos para achincalha-los.
Não
sei se fez o mesmo com documentos iranianos relativos à bomba atômica que
Ahmadinejad fabrica, se revelou ao mundo as barbaridades praticadas contra
direitos humanos na China, na Coreia do Norte, em países do Oriente Médio, em
países africanos, em Cuba. Tampouco desconheço se o ciberjornalista levantou
documentação e espalhou aos quatro ventos o cerceamento da mídia na Venezuela, na
Bolívia, na Argentina. Ele até louva, incluindo o Brasil, a Venezuela e a
Argentina por terem levado seu caso à Organização dos Estados Americanos (OEA).
Quanto
ao Equador, onde pediu asilo e cujo governo não é nada favorável à liberdade de
expressão, o hacker chamou de “corajosa nação latino-americana que tomou o
partido da justiça”. Entretanto, segundo Assange, compete aos Estados Unidos
parar com a “campanha ao redor do mundo contra jornalistas que iluminam os
segredos dos poderosos”. Os países ideologicamente afins Assange prefere manter
à sombra os segredos militares e diplomáticos.
Julian
Assange conquistou muitos adeptos. Primeiro, porque na atualidade medíocre e
vulgar convém odiar tudo que é bom, evoluído, competente, o que inclui países
como os Estados Unidos e Israel. Esse tipo de xenofobia é muito comum,
inclusive, na América Latina que tem como porta-voz mais destacado o boquirroto
venezuelano Hugo Chávez. Segundo, porque a exposição da privacidade se tornou
uma constante em redes sociais, programas de TV, performances individuais ou
grupais, o que combina com o hacker “iluminador de segredos”.
Nada,
porém, acontece por acaso. Tudo é processo. Do moralismo hipócrita, que no
passado escondia comportamentos socialmente indesejáveis, passou-se
paulatinamente ao amoralismo escancarado. Do modo de vida onde existiam valores
como dignidade, respeito ao próximo, honestidade chegou-se ao vale-tudo dos anti-valores.
Desse
modo, a civilização foi se transformando em barbárie. Não há mais distinção
entre certo e errado. Desapareceram os pudores e no mundo massificado a ânsia
de romper com o igualitarismo cultural leva ao exibicionismo, não de formas
evoluídas da mente, mas de modos mais assemelhados aos dos animais.
Nesse
contexto Assange é o grande líder que rompe com a privacidade, o carteiro que
viola a correspondência das nações, o bisbilhoteiro mor que “ilumina”
intimidades. Ele desnuda segredos como os adolescentes se desnudam em redes
sociais ou mulheres distribuem suas fotos pela Internet em que aparecem nuas. Julian
Assange faz parte do tempo dos vídeos pornográficos onde relações sexuais são
exibidas para o mundo.
Nessa
época a educação das crianças se torna algo difícil. Na família, como mostrou
Carlos Alberto Di Franco em excelente artigo (O Estado de S. Paulo –
20/08/2012) faltam muitas vezes o carinho e o diálogo e “os jovens crescem sem
referências morais e afetivas”. “A ausência de limites e a crise de autoridade”
atestam também a desagregação familiar.
A
escola, que mal sabe ensinar o bê-á-bá, não forja mais o caráter dos alunos
através de valores. Droga e violência se fazem presentes e, para culminar é
estimulada precocemente a atividade sexual desde a mais tenra idade, enquanto a
escolha da sexualidade é praticamente imposta em mentes ainda não prontas para
assimilar tais comportamentos. Atualmente só falta apontar o incesto, o estupro
e a pedofilia como direitos humanos e incentivar tais condutas.
A
interferência estatal maléfica na educação mostra o rompimento da privacidade,
enquanto individualmente os “bárbaros modernos” violam por vontade própria sua
intimidade.
Tais comportamentos conduzem ao aviltamento da
personalidade, à perplexidade moral, à confusão de sentimentos, à decadência
social. É preciso, pois, resgatar a privacidade, espaço único e inviolável onde
se é realmente livre. É preciso dizer não ao Big Brother.
Maria
Lucia Victor Barbosa é socióloga.
@maluvi
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